MANDALA (terceira parte)

No ar pastoso minha mão luta contra mosquitos e salaminhos - diarréia, azia e vômito e asco na madrugada-tarde me acordando com a descarga da Estação de Repouso - uma delas - qualquer em que se acorde e não se acorda:
no canteiro das pálpebras as obras de uma mulher parindo a própria busca de seu rosto, de seu corpo na placenta que também é sua sem o ser totalmente.
Mais um gole da adrenalina rolando, rolando - morder veias por um pouco mais - falar empapuçado de cachaça-com-cerveja na minha cara: " A família ainda vive? já viveu?" - discursos sob a descrença no cristianismo por excesso de cristianismo - um pouco mais, uma rua a mais, um sentido a mais, a mais, mais, mais blues - Howlin' Wolf nos tímpanos prá sempre - Robert Johnson, Hooker, Lightlin Hopkins, Muddy Waters ...
Em uma janela dum edifício um bêbado se recolhe ao leito-banheira e prostituta na saboneteira - é o lar ... onde quer que se esteja é o que é:
escarrando os ossos da cara nas calçadas, nos botequins, nas enfermarias do Estado, no short do homossexual que baba espiando o de binóculos;
gozando garrafas cheias de nós, tão cheias que pouco mais resta;
e um raio que fulmina simpatias em copos por trás das portas sábados na fel que vaiiiiiiii .......
"Quem é você deitado tão em mim aí longe? Rolando, Hermínio, Luís, Alberto, Henrique, Afonso ...Quem é você?
conheço teu cheiro-de-madrugada e maresia e tua língua d e todas as línguas no quebrado do dente ...
qual o teu nome me aquecendo a sarda e tatuagem, meu corpo de professora primária, ginasial, universitária? - o que quiser, o que quiser - o que ensinar, mutuarmos, transgredirmos" - falava e uivava e beijou as testas quando foi dar aula.
Noite chegando em casa - nas encruzilhadas o passe não é mágica; é carne, ressaca e macumba e fogos de artifícios no crânio negro e feminino ... e não sei o que dizer, o que disse.
Nunca soube! Não adianta mais nada! é luz, sonho e calor!
Mais nada! O ato, o ato! o rato já roeu todo o grito do cantor na vitrola e todos os profetas, mendigos e deuses e efeitos especiais da Bíblia e sito não tem menos valor do que jamais teve.
Só pouco, só um pouco mais de adrenalina, dentar capilares e injetar constelações - fuder nos cinemas, nos táxis rodando pelo centro da cidade - cadê o rosto? - o rosto, o rosto na voz - não consigo dormir estou livre nas calçadas? - te aguardar num cigarro que Prometeu me acendeu noite passada.
Silêncio! não se pode acordar a criança do apartamento de cima - no ventre cortar o som - lamber a carne descascada com doce de banana - ouvir o homem de suiças no centro medieval do sofá;
a mesma noite sempre - apagar as tochas que não se espreita nas cavernas brancas dum sanatório constante - sem fim, sem fim, horizonte esperando o escarro duma velha sentada nas solas das revistas crucificadas pela praça - percorrer galerias de kibes crús, esfihas de peixe e espinhas de peixe, pastéis, macacões acessos em verde - apaguem a roupa e modelo! - fantasias diáfanas gregas, olhos embriagados nos espelhos das vitrinas ...
"De quem é esse banheiro? - a enxaqueca no parapeito da sala de aula o fiz me seduz nas costas do ritmo de minha alma? - sem controle próprio, sem próprio controle -
esses membros esquartejados me fecundando nos chuveiros públicos, nos vidros espelhados de minha roupa opaca? -
De quem é essa cidade jogada no fundo, no subterrâneo de minha íris descarregando cérebros e relógios? - cadê o meu? - cadê o seu? - ver-me na cápsula partindo prá Atlântida ou Meier ou depósito de lixo - a cápsula de arquitetura modernista mordida no bico do seio.
Relógios na pia - em cima das unhas eles proliferam qual dejetos do sangue das baratas e ursos - onde estão minhas galochas? não posso caminhar neste fluxo sangüíneo, neste rio de répteis alados, não sou eles! - uma calcinha presa nas dobras duma amendoeira - um ex-soldado arrastando-se pelo carpete está fugindo das cervejas, do churrasco, porção de fritas e salaminho, cozinha, vídeos pops, vinhos; entrincheirado atrás do sofá profeta de perdigotos e ressaca contra punk-rock nos pelos das mãos.
A desculpa criada na criação de nós aflige, finge! e todos no mesmo chão sem cobertores e palavras, fonemas crepusculares precedendo o princípio - sem os cabelos de Cristo enforcando nossas línguas, nossas salivas, querendo roubar um pouco de nossos sexos - o hermafrodita das estepes de jantares não está entre nós!
Trazer sempre tudo na coleira, nas manilhas ajustadas durante o cordão umbilical, prensando úteros em gozo perpétuo:
sexo, vacina anti-rábica, depressivos, excitantes, mares de saliva, todos os números que nos permitem "viver", lições, os répteis que estão girando, degraus, vielas, números sociais - cada um deles nas obturações dentais, nas operações de fimose, ligações de trompas, permissões prá entrar nos banheiros, cuspir na privada, mijar sangue nos mictórios, assistir a "cantada" do vendedor de bijuterias no garoto faminto e mais tarde passar por ele e cheirar seus passos desvairados, se esconder da polícia, pagar impostos, olhar o fio de meia da secretária do serviço social, do advogado, pensar nos quadrantes da Ursa-Maior e casamentos sempre fellinianos ... -
catálogos telefônicos, listas e presentes de aniversários, correntes, suicídios, pastéis de queijo e presunto, placas de automóveis, mandatos de segurança, pernas que aprisionam em não não acordar porque não se dormiu dormirá mais, as respostas que não vinham, gabaritos, pedigree, raça e espécie, todas as horas trancafiadas nas pulseiras dos relógios onde sobrancelhas marcam os segundos - perdidos eternamente em meticulosidade, meticulosas observações - e, as respostas que não vinham mais, não vinham mais, aaaaaaaaaaaaaiiiiiiiiiiiisssssssssss!!!!! .....
Na praça rolando, rolando, rolando, rolaaaaanndo, rolaaaaaannnnnddoo - oooooo ...
Mais adrenalina - quebrar os dedos em silêncio prá esperar a noite, o filme, a trilha sonora, o rodízio dos sonhos, pesadelos, orgasmos ... O mesmo rodízio!
O momento é o momento! Mortalmente as olheiras iguais nas esquadrias de cerâmica tomando sopa na ceia! Imortalmente procissões às operetas cotidianas! Dançam bufões nas entradas dos escritórios, cais, terminais rodoviários cardíacos!


Marcelo Nietzsche

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