IPANEMA

É preciso fazer um poema sobre Ipanema

um poema que sabe a sol posto
- hóstia de ouro na boca do poente -
e que espalhe entre o rumor das gentes
o pólen das mãos.
Um poema de pedra de sonhos de sais
de águas bebendo milhares de sóis.
Um poema-arpoador
embebendo em luz e azul
a dor cinza das retinas.
É preciso palmilhar os rastros
cheios de doçura e graça
da moça dourada no chão do poema.
Quero despir Ipanema
prenhe de Leilas e Helôs
e com o cheiro da cor de ruidosas manhãs
e a ternura dos velhos e cães do passeio
quero vestir o poema
um poema cosido no tear das horas
filho da memória das cãs de Ipanema:
a banda o cinema a bossa o pasquim
os bares o píer as dunas as vagas
as límpidas águas negando o tupi
Vinícius à lira em busca de Tom
pecados sepultos na paz da matriz
um poema de sons e vertigens
grafados na língua de Chevalier
ah, Ipanema!
Roniquito dorme à luz dos “postes bêbados”
notívagos bebem, ordenhando a noite
nos bancos da bossa
e o leite-canção que sobeja o poema
- maná de Ipanema - alimenta as almas
fora dos muros da tribo
é preciso fazer um poema sobre Ipanema
mas eu nunca fui lá.

Wender Montenegro

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